Pesquisadora identifica 69 grupos nazistas em atividade em Santa Catarina
19 de novembro de 2019Estado é o segundo do país com mais células. Dos três grupos no Brasil que se identificam como seções locais da Ku Klux Klan, dois estão em Blumenau.
Santa Catarina é o segundo Estado do Brasil com mais grupos neonazistas ativos na internet. A afirmação está nos números de uma nova pesquisa brasileira que aponta o crescimento dos movimentos de inspiração nazista no Brasil. Conforme o levantamento, Santa Catarina tem 69 células (grupos de três a 40 pessoas com ideais e atividades comuns) em atividade, atrás apenas de São Paulo, onde foram identificados 99 grupos.
A pesquisa foi feita pela doutora em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Adriana Dias, que pesquisa o discurso neonazista e supremacista branco nas redes há 16 anos. O levantamento foi feito com técnicas de programação para identificar pessoas que baixam grande quantidade de material nazista na internet, que participam de fóruns e redes sociais voltadas ao tema ou que são líderes de blogs que propagam o conteúdo.
— São vários tipos de bancos de dados que analisam várias questões. O principal é a quantidade de material que essa pessoa lê sobre o tema. Ela tem que ter lido pelo menos o equivalente a 100mb de arquivos neonazista. Então a gente tem um cálculo sobre margem de erro, e também uma consideração a respeito de quantos IPs uma pessoa pode usar, em casa, no trabalho, na casa dos pais, etc. A partir daí a gente vai vendo manifestações desses grupos publicamente ou em fóruns — explicou a pesquisadora em entrevista.
Mesmo que com algumas divisões, de forma geral os grupos promovem a intolerância com base em alguns ideais ligados ao nazismo de superioridade e pureza racial. Essas ações envolvem violência, humilhação e discriminação através da fabricação, comercialização e distribuição de propagandas de defesa do pensamento, como os cartazes que já viraram caso de polícia em Santa Catarina nos últimos anos.
Entre os 69 grupos identificados em Santa Catarina, a pesquisadora chama a atenção para a existência de seções locais da Ku Klux Klan (KKK) — organização nascida nos Estados Unidos com ideais supremacistas e nacionalistas. No Brasil inteiro foram identificados três grupos que se identificam como seções da KKK: um em Niterói (RJ) e dois em Blumenau, no Vale do Itajaí.
— Há dois materiais da KKK circulando com referência a Blumenau. Um inclusive foi colocado nas ruas, outro apenas circulou na internet. São dois materiais bem diferentes entre si. A KKK tem dezenas de divisões e linhagens, com linguagens e símbolos diferentes. O símbolo que foi para as ruas em Blumenau é da KKK da América, um grupo mais novo, surgiu depois dos anos 1980. O outro grupo que circulou na internet é um grupo mais ligado à KKK da ordem da Camélia Branca, que tem uma linguagem completamente diferente e é ligada mais ao luteranismo.
A pesquisadora aponta que, de forma geral, os grupos no Brasil não possuem grande relação entre si ou contato. O mesmo vale para as duas seções que existiriam em Blumenau. Para Adriana, são grupos diferentes e que podem não se conhecer ou se dividiram por alguma briga interna — algo que ela diz ser comum na criação das células pelo país. Uma das organizações identificadas em Blumenau inclusive se identifica como “o primeiro grupo KKK no Brasil”.
— A KKK tem uma base religiosa muito forte, um ódio muito forte ao negro, ao judeu, um ódio muito forte e uma prática muito violenta. Então esses dois grupos, eu espero que sejam pequenos, pelo o que percebi são células pequenas, não devem ter mais do que 10 ou 12 pessoas cada uma. Espero que não tenham potencial de crescimento. Se elas tiverem, elas tendem a ser bastante violentas, porque a KKK é violenta — alerta a antropóloga.
Adriana explica que cada grupo funciona de uma forma, com grandes diferenças de uma célula da Ku Klux Klan — com ideais religiosos — em relação a um grupo supremacista branco nacionalista, por exemplo. O que une todos é a presença na internet. Todos os grupos mapeados pela pesquisadora fazem o chamado ciberativismo, outras células que não têm presença online não foram analisadas pela antropóloga.
— Eu acredito que o número seja ainda maior do que eu localizei. Esses grupos tem gente mais nova, mais velha, mulheres que desempenham funções diferentes. E fazem ciberativismo, encontros, revistas, mentoria de jovens brancos, atividades como rituais e cultos e até encontros para pancadaria — explica.
Nazismo em SC
O histórico de relações de Santa Catarina com o movimento nazista não é novo. Um trabalho anterior da pesquisadora Adriana Dias apontou, em 2009, que 45 mil simpatizantes do nazismo moravam em SC. Voltando no tempo, em 1928, cinco anos antes de Hitler tomar o poder na Alemanha, a primeira célula do partido nazista no Brasil foi fundada em Timbó, no Vale do Itajaí. Seria a primeira fora da Alemanha e, segundo os registros históricos, chegou a ter 528 filiados.
De volta ao século atual, em 2017 a Operação Hateless, da Polícia Civil de Blumenau, identificou cinco pessoas que estariam ligadas ao aparecimento de diversos cartazes com propaganda nazista na cidade. Dois deles estavam ligados a outro caso na região, em 2014 na cidade de Itajaí, quando cartazes comemoraram o aniversário de Hitler. Recentemente os dois homens foram inocentados pela Justiça.
Para Adriana, nas décadas de 1930 e 1940 houve uma grande exposição dos ideais nazistas em Santa Catarina, algo que depois foi proibido mas se manteve vivo em documentos e na memória de alguns moradores.
— Essa população alimentou essa crença durante muitos anos, e depois ouviu que nada daquilo era verdade. Uma parte dessa população com certeza guardou a frustração e a esperança de que isso fosse verdade. Pode ser uma parte pouco expressiva, mas em números relativos é considerável, porque se todo esse povo se juntar o estrago é grande. É uma parte que leu e releu esses documentos da época e agora viu o espaço. As pessoas estão lendo coisas absurdas, leituras muito obtusas, essa história da terra plana, de que o nazismo é de esquerda, leituras que estão se sobrepondo à realidade e podem fazer que essa pequena parte ganhe fôlego — avalia a pesquisadora.
Com informações NSC Total