Produção de rãs: a nova aposta do oeste catarinense
1 de dezembro de 2020Ranicultores de Chapecó fazem parte da turma de 15 empreendedores atendidos pelo programa de assistência técnica e gerencial em agroindústria artesanal do SENAR/SC.
A família Kleinubing, do bairro Belvedere, em Chapecó, no oeste catarinense, possui dois açudes e um ranário para produção de 6.000 rãs em uma área de 3,7 hectares. O empreendimento é um dos 15 atendidos pela nova cadeia do programa de Assistência Técnica e Gerencial (ATeG) na agroindústria artesanal do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR/SC), órgão vinculado à Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Santa Catarina (FAESC). A ranicultura é a principal fonte de renda da família há 12 anos e está em processo de certificação de inspeção municipal para implantar um entreposto de pescado para produção e processamento da carne e, consequentemente, ampliar mercado.
Carlos Eduardo Kleinubing, engenheiro agrônomo, conta que a ranicultura é a grande paixão do pai Darci, quem iniciou a produção na família. Hoje, Carlos e a esposa Priscila comandam a atividade que, por enquanto, comercializa diretamente aos consumidores e amantes da carne considerada nobre dentro e fora do País. A família vende 200 kg de rãs por mês, além de 400 kg de filé de tilápia e 100 kg de outros peixes como lambaris e cascudos (ambos adquiridos de pescadores locais e processados na propriedade) e até a exótica carne de jacaré (trazida pronta de agroindústrias de São Paulo e do Pantanal).
“Há 17 anos vendemos tilápias e há 12 investimos na ranicultura. Em Chapecó, somos apenas três produtores de rãs. No Estado, também são poucos, assim como as informações técnicas sobre a atividade são escassas. A gente foi estudando e experimentando aos poucos até consolidar a produção. Entramos com o processo de legalização ainda em 2017 e desde então aguardamos certificação para podermos ampliarmos a estrutura e regularizarmos a comercialização. Certamente a assistência técnica e gerencial do SENAR contribuirá para essas melhorias”, enfatiza Carlos.
A técnica de campo do programa é a engenheira de alimentos e especialista em segurança do trabalho Juliane Rossato Cigognini, que acompanhará a produção durante dois anos, com visitas mensais e assessoria direta. O objetivo, segundo ela, é desenvolver a produção, o gerenciamento das atividades e a gestão dos negócios.
“O trabalho inicial é o cadastramento dos produtores, conhecimento das agroindústrias, do processo de produção e o levantamento de dados para diagnóstico econômico e gerencial. Queremos entender os pontos fracos e fortes de cada produtor e quais as urgências para melhorarmos a produtividade e a renda em todos os processos, desde a matéria-prima até a etapa final”, ressalta Juliane ao informar que, além da ranicultura, o programa atenderá outras 14 agroindústrias da região que atuam na suinocultura, bovinocultura de corte, ovinocultura e piscicultura.
PRODUÇÃO
A produção de rãs da família Kleinubing é em ambiente natural e totalmente artesanal. Nos dois açudes, acontece o acasalamento e a reprodução que geram os girinos, responsáveis pela primeira etapa de criação que leva de quatro a cinco meses para transformação. O processo exige cuidados com vegetação ao redor dos açudes, que não podem receber agrotóxicos para não contaminar a água. Além disso, a água também deve assegurar alimentação natural para as rãs.
“Criar os girinos é fundamental para o negócio, porque os custos aumentariam muito se precisássemos comprá-los e transportá-los até a propriedade. Cada milheiro custa em torno de R$ 1.000,00. Esse processo de reprodução em ambiente natural também é importante para a melhor adaptação das rãs. A gente sempre afirma que não são elas que precisam se adaptar ao nosso modo de vida, mas nós que precisamos nos adaptar ao convívio delas”, ressalta Carlos.
Com poucos dias de vida, os girinos são levados até o ranário, espaço de alvenaria que possui 20 baias (tanques com água) para a etapa de transformação. Ali, eles são alimentados com ração especial duas vezes ao dia para crescerem e se transformarem em imagos (pequenas rãs). Nesta etapa, os imagos passam para a fase de engorda até a rã ficar pronta para o abate, quando atinge entre 400 e 600 gramas suja, com rendimento final de 50%. Todo o processo leva entre oito e nove meses e acontece no período de verão, quando a temperatura da água é melhor para a criação.
“A temperatura da água é um ponto crucial. Ela deve estar em 25º no processo de transformação e em 26º para melhor conforto da rã. Se for abaixo de 22º retarda o desenvolvimento das rãs e acima dos 30º causa a morte dos animais. Para alcançar esta temperatura, é preciso que o ambiente natural fora da água esteja em 35º. Por isso o processo é feito no verão, quando criamos o máximo de estoque possível para assegurarmos produtos durante todo o ano”, detalha Carlos ao destacar que a propriedade tem poço artesiano e sistema de aquecimento da água para viabilizar a transformação.
No ranário, a água das baias deve ser trocada duas vezes por dia, o que gera consumo diário de 13 mil litros na propriedade. Carlos conta que é normal haver perdas de até 50% durante a fase de criação de girinos e de 3% a 5% nas demais etapas de transformação. “As rãs comem tudo o que for menor que elas por considerarem presas e têm medo de tudo o que for maior, por entenderem como predadores. Por isso, os próprios girinos se tornam alimentos, o que gera perdas no processo. Outros fatores também são estresse, temperatura da água, fungos e bactérias”, explica o ranicultor. Para entrar no ranário sem assustar as rãs e causar estresse que pode impedi-las de se alimentar, Carlos deixa o rádio ligado com música ambiente. O barulho rouba a atenção e distrai os animais.
Tanto a alimentação quanto o controle de fungos e bactérias são desafios da ranicultura. Não existem medicamentos e rações específicas para rãs e, por isso, elas são tratadas e alimentadas com insumos adaptados da piscicultura. “A ração usada é para peixe carnívoro, com proteína alta. Também usamos remédios recomendados para tratar doenças causadas em peixes e vamos experimentando os que mais dão resultado. Isso é um desafio, porque exige muito estudo, testes e cuidados”.
Após atingir o peso ideal, as rãs seguem para abate artesanal, hoje feito na propriedade por Carlos e a esposa Priscila. As rãs são colocadas em bacias com gelo – para provocar um forte choque térmico – e seguem para processamento (retirada da pele e cortes), embalagem a vácuo e congelamento. Para cada baia são necessários dois dias no mês para abate. O objetivo, a partir da certificação sanitária, é construir o entreposto de pescado para produção e processamento da carne e terceirizar o abate para que ela volte fresca (in natura) para manuseio.
“O nosso diferencial é que a carne embalada não tem água, é 100% produto. Queremos manter essa qualidade a partir da formalização”, projeta Carlos.
PREÇOS
O quilo de rã é comercializado a R$ 45,00 inteira, a R$ 75,00 a parte mais carnuda (coxas) e R$ 22,00 o dorso. O filé de tilápia custa R$ 36,00 ao kg, o lambari R$ 22,00 e o cascudo entre R$ 28,00 e R$ 30,00. Já a carne nobre de jacaré é vendida a R$ 120,00 ao kg.
O PROGRAMA
A ATeG na agroindústria artesanal iniciou em novembro e, durante os próximos dois anos, Carlos e os demais empreendedores rurais terão acompanhamento técnico para desenvolverem a produção e a gestão dos negócios.
De acordo com o presidente do Sistema FAESC/SENAR-SC, José Zeferino Pedrozo, a assistência técnica e gerencial busca agregar valor à produção de alimentos dos pequenos e médios estabelecimentos. “Nossa proposta é auxiliar os produtores familiares e artesanais na legalização dos empreendimentos, na melhoria dos processos, na organização das empresas e no gerenciamento das agroindústrias. Com esse apoio, eles podem ampliar produção, mercado e renda”, detalha Pedrozo.
Segundo a coordenadora estadual da ATeG, Paula Araújo Dias Coimbra Nunes, a assistência técnica e gerencial na cadeia qualificará os produtores para gestão básica das agroindústrias, boas práticas de fabricação e de manipulação de alimentos. Durante o programa, serão avaliados indicadores econômicos e produtivos, com objetivo de aumentar a rentabilidade das famílias.
“É um trabalho com acompanhamento contínuo e que engloba todos os processos da cadeia produtiva, o que permitirá fortalecer os pontos fortes e melhorar os pontos fracos de cada empreendimento”, ressalta Paula.
O superintendente do SENAR/SC, Gilmar Zanluchi, também destaca que a ATeG orientará os pequenos e médios produtores na melhoria dos processos e auxiliará na formação de arranjos produtivos e na abertura de mercados. “Cada produtor terá um diagnóstico produtivo, com planejamento estratégico, avaliação sistêmica de resultados, adequação tecnológica e capacitação profissional complementar. É um modelo inovador e estritamente técnico ofertado pelo SENAR para desenvolver o agronegócio no Estado”.
Santa Catarina tem mais de 1.300 agroindústrias familiares, segundo levantamento da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural (Epagri).