Ciclone na costa brasileira chama atenção do mundo e causa polêmica

Ciclone na costa brasileira chama atenção do mundo e causa polêmica

29 de junho de 2021 Off Por Editor



  • Boletim da agência norte-americana NOAA classificando o ciclone como tropical detonou um debate sobre a natureza do sistema que não oferece riscos graves ao Sul do Brasil e tende a se distanciar do continente.

    O ciclone inicialmente extratropical que se formou junto à frente fria adquiriu características atípicas entre a tarde e a noite da segunda-feira na foz do Rio da Prata. O ciclone segregou da frente fria, ou seja, deixou de estar conectado à frente e passou a se deslocar independente da trajetória do sistema frontal. Além disso, ganhou organização e passou a apresentar convecção ao redor do seu centro de circulação, inclusive formando um olho.

    A Diretoria de Hidrografia Naval da Marinha do Brasil (DHN) em sua carta sinótica das 21h de segunda-feira (0Z) classificou o ciclone na costa do Uruguai e a Sudeste do Chuí como uma tempestade subtropical, ou seja, um ciclone híbrido, com centro quente em superfície e frio em altitude. A pressão indicada era de 988 hPa com vento sustentado de 45 nós (83 km/h) e rajadas de 50 nós (93 km/h).

    Em boletim, entretanto, a agência meteorológica dos Estados Unidos (NOAA) indicou que o sistema passou por uma transição de subtropical para tropical (centro totalmente quente) na noite da segunda-feira. O comunicado observa a formação de um olho no sistema após 20h30 da segunda (hora de Brasília) e o resfriamento dos topos das nuvens ao redor do centro de circulação (CDO), indicando uma intensificação por convecção (instabilidade).

    O boletim classifica o sistema como Invest, o que significa que passou a merecer monitoramento e coleta de dados pelos centros de previsão de ciclones tropicais, e ainda estima a intensidade do ciclone pela técnica de Dvorak para ciclones tropicais a partir das imagens de satélite em 3,5.

    Ciclone formou um olho na noite de segunda-feira

    O número corresponde no caso do Atlântico a uma tempestade subtropical com vento sustentado de 102 km/h. Isso coloca o sistema no limite superior de uma tempestade tropical e perto do estágio de furacão que é a partir de 4.0 na escala de Current Intensity (CI) na técnica Dvorak.

    POLÊMICA NA COMUNIDADE METEOROLÓGICA

    O informe da NOAA imediatamente detonou entre os meteorologistas enorme debate sobre a formação de um ciclone tropical em pleno mês de junho, em latitudes tão ao Sul quanto o Uruguai (37ºS e 52ºW) eram as coordenadas informadas pela NOAA na noite da segunda, e ainda em meio a uma poderosa onda de frio. O espanto da comunidade meteorológica com um ciclone tropical na atual cenário meteorológico da região se justifica. Veja os principais motivos:

    – Ciclones tropicais tendem a se formar sobre águas quentes, em regra com temperatura superficial do oceano de 27ºC ou mais. Agora, a temperatura do mar onde o sistema se formou está ao redor de 17ºC.

    – Ciclones tropicais tendem a se formar nos meses de verão, ou no final da primavera ou no começo do outono. Este tipo de ciclone é uma absoluta excepcionalidade no inverno. No Atlântico Norte, em um século e meio de dados, foram apenas 77 ciclone subtropicais ou tropicais em dezembro (primeiro mês do inverno setentrional que corresponderia ao nosso junho) e 4 em janeiro (o equivalente ao nosso julho) e estamos quase na virada do mês para julho.

    – Ciclones tropicais tendem a se originar em áreas entre os trópicos e, então, evoluem para áreas subtropicais. Excepcionalmente, no Atlântico Norte, se forma mais ao Norte. No caso do Atlântico Sul, todos os ciclones tropicais até hoje documentados tiveram origem na costa do Brasil. Não há precedentes de ciclogênese tropical em latitudes tão ao Sul quanto o Rio da Prata.

    – Ciclones tropicais tendem a se formar em meio a uma atmosfera quente e úmida. Este ciclone se originou em meio a uma poderosa massa de ar polar antártica com frio muito intenso e neve até em locais pouco acostumados ao fenômeno.

    Uma vez admitindo-se que a classificação do NOAA esteja correta, e a NOAA muitas vezes no passado já revisou a classificação de tempestades no Atlântico Norte em pós-análise, trata-se de um fato tão singular, incomum e do ponto de vista meteorológico esdrúxulo que por analogia seria como se ciclone tropical se formasse na costa Nordeste dos Estados Unidos, junto à Nova York ou à Nova Inglaterra durante o inverno enquanto uma grande onda polar trazendo neve e frio muito abaixo da zero na região.

    Tal qual se dá agora com os meteorologistas da América do Sul, os meteorologistas norte-americanos ficariam estupefatos, mesmo sendo comuns ciclones tropicais na costa Nordeste dos Estados Unidos, o que não é o caso do Uruguai e torna ainda mais incomum a situação atual.

    UMA TERCEIRA HIPÓTESE PARA O CICLONE ATUAL

    O boletim da NOAA identificou o sistema como o tropical. A Marinha do Brasil entende que é tropical. Na opinião da MetSul, a hipótese de ser um ciclone extratropical terá que ser avaliada nos vários trabalhos que certamente estudarão este sistema na academia.

    Ar mais quente aprisionado no centro do ciclone no oceano

    Por que a hipótese de ser um ciclone extratropical, comum e freqüente no Atlântico Sul, não pode ser desconsiderada? Em ciclones extratropicais que passaram por ciclogênese explosiva (bomba) ou são intensos, como é o caso deste sistema que é intenso e chegou a ter pressão de 979 hPa a 980 hPa na costa da província de Buenos Aires, é comum que no centro da tempestade marítima se forme o que a literatura técnica chamada de warm seclusion ou em tradução livre aprisionamento de ar quente no seu centro.

    Ciclone atual tem centro quente e simétrico

    Inclusive, diversas vezes há a formação de um olho. Muitos ciclones extratropicais intensos durante o inverno no Atlântico Norte, perto da Escadinávia ou mesmo perto do Reino Unido e da Islândia, já apresentaram tal característica.

    “A reclusão quente (warm seclusion) ou fase madura do ciclo de vida de um ciclone extratropical freqüentemente tem características estruturais que lembram os principais ciclones tropicais, incluindo a formação de olho de vento calmo no centro barotrópico quente rodeado por ventos com força de furacão ao longo da frente quente”, dizem os autores no estudo “Warm Seclusion Extratropical Cyclones” por Ryan Maue.

    PARA ONDE VAI O CICLONE?

    A tendência é que o ciclone na costa do Uruguai siga se deslocando no sentido Nordeste. A esmagadora maioria dos modelos numéricos analisada pela MetSul indica que o sistema ingressaria em águas territoriais brasileiras (aí recebendo um nome pela Marinha do Brasil) e rumaria em direção ao litoral da Região Sudeste, rapidamente enfraquecendo.

    Todos os modelos numéricos analisados pela MetSul, e estes foram muito precisos até agora quanto à trajetória do sistema desde a sua formação, indicam que em nenhum momento o ciclone avançaria em direção ao continente na costa do Sul do Brasil, logo não projetam que toque terra.

    FSU/Divulgação

    Ademais, é importante enfatizar, todos sinalizam que a tendência é que o sistema perderá intensidade ao rumar para o Norte e se tornará um sistema fraco com aumento da pressão central e diminuição do vento com o menor gradiente de pressão atmosférica ao se distanciar do centro de alta pressão associado à massa de ar frio.

    QUAIS SERÃO OS SEUS IMPACTOS?

    O ciclone trouxe vento de mais de 100 km/h para o litoral de Maldonado, no Uruguai, ao longo da segunda-feira com estragos em Punta del Este. A MetSul não antecipa com base nos dados atuais riscos de gravidade para o Sul do Brasil na evolução deste sistema, salvo uma alteração surpreendente de cenário.

    À medida que o ciclone estiver mais próximo do Estado nesta terça, muitas nuvens vão estar no Rio Grande do Sul, sobretudo no Sul e na Metade Leste do Estado com chance de precipitação isolada. Como a circulação ciclônica vai coincidir com a parte mais intensa do ar polar amanhã, fenômenos invernais são possíveis com a presença de nuvens de maior desenvolvimento vertical da circulação do ciclone.

    O vento aumenta. As rajadas mais fortes nesta terça vão se dar no Sul e no Leste gaúcho com força em alguns momentos entre 60 km/h e 80 km/h. Por isso, cidades como Pelotas, Rio Grande, Camaquã, o litoral e a região de Porto Alegre devem ter uma terça-feira bastante ventosa com ingresso de nuvens e sensação térmica por demais baixa devido à força do vento e ao pico de intensidade da massa de ar frio. Será uma terça-feira por demais fria e desconfortável para quem estiver na rua.

    A atuação do ciclone deve deixar o mar muito agitado na costa do Sul do Brasil com ondas muito altas, especialmente em alto mar, e risco elevado de ressaca na orla. Vento forte e mar grosso podem afetar as operações do Porto de Rio Grande que podem ser total ou parcialmente suspensas antes de as condições começarem a melhorar entre a quarta e a quinta com o distanciamento do ciclone.

    Com informações MetSul