Jovem indígena aprovada em 1º lugar em processo seletivo retorna à aldeia para atuar como enfermeira em SC
23 de julho de 2021Trabalho de Eliziane na comunidade deve começar em agosto: “Sinto-me muito grata”.
A enfermeira indígena recém-formada Eliziane dos Santos, de 24 anos, vai retornar à sua aldeia para gerenciar a equipe de profissionais de saúde que cuidou da própria saúde desde a infância. Eliziane foi aprovada em 1º lugar em um processo seletivo do Ministério da Saúde para atuar na terra indígena Xapecó, em Ipuaçu, no Oeste catarinense.
Ela, que é da etnia Kaingang, afirma que, desde que foi aprovada na universidade, quis trabalhar junto à própria comunidade. Esse será o primeiro emprego de Eliziane na área.
“Eles me conhecem, muitos me viram crescer. Isso vai facilitar a assistência prestada à comunidade. O enfermeiro indígena conhece os costumes, as tradições da aldeia e conhece a maneira de viver dos próprios indígenas. Isso facilita o vínculo com a comunidade e torna o cuidado da enfermagem mais humanizado. Sinto-me muito grata e realizada”, diz a enfermeira.
A formatura da enfermeira foi em 11 de junho deste ano e de forma online, devido à pandemia da Covid-19.
“Foi um dia inesquecível, emocionante e muito comemorado. Sou a única com ensino superior concluído na família e me orgulho por possibilitar esse momento a eles”, relembra Eliziane sobre a formatura.
Ela conta que soube sobre o processo seletivo no mesmo dia. Foram os próprios profissionais da saúde que atuam na aldeia que sugeriram que ela se inscrevesse. A expectativa é que os trabalhos comecem em agosto.
Primeiro emprego e planos
Neste primeiro momento, ela atuará gerenciando a equipe nos cuidados à comunidade. Contudo, a jovem enfermeira espera poder atuar também prestando assistência direta às pessoas.
“Meu plano é conseguir experiência na saúde indígena tanto na gerência como na assistência prestada à comunidade. Quero desenvolver todo o conhecimento teórico-prático que adquiri ao longo da graduação para ser enfermeira”, afirma.
Segundo o Ministério da Saúde, o projeto “Jovem Indígena: Meu Primeiro Emprego” seleciona pessoas para atuar junto com as Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena (EMSI) da própria região do candidato. A seleção de Eliziane ocorreu por meio de análise curricular, prova objetiva e entrevista. A contratação tem validade de 6 meses, sendo prorrogável por até dois anos.
A vida acadêmica também não será deixada de lado. Ela pretende fazer pós-graduação na área de saúde coletiva e mestrado profissional.
Graduação
Em 2015, assim que foi selecionada para cursar enfermagem na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFSS), Eliziane teve que se mudar da Terra Indígena Xapecó, em Ipuaçu, para Chapecó, também no Oeste. As duas localidades ficam a cerca de 62 quilômetros de distância.
“Foi um processo de adaptação difícil, ficar longe da família, amigos, pois nunca tinha morado fora da aldeia. Ao longo da graduação, enfrentei grandes desafios, vivenciei o preconceito por ser indígena, tive vontade de desistir diversas vezes, por achar que não seria capaz de concluir a graduação”, relembra.
A enfermeira fez parte da primeira turma de indígenas que ingressaram na universidade por meio do Programa de Acesso e Permanência dos Povos Indígenas (PIN). Ao longo dos seis anos de graduação, Eliziane participou de ligas acadêmicas, grupos, projetos de extensão, projetos de pesquisas, como voluntária e foi bolsista dentro da universidade.
Até então, ela havia atuado em estágios nos serviços de saúde de Chapecó, em ambiente hospitalar e na atenção primária de saúde.
“O que me manteve firme e com força de vontade todos esses anos foi principalmente a minha família, especialmente minha mãe e irmã. Hoje entendo que foi um processo necessário para me tornar essa profissional que sou hoje. Aprendi que com fé, esperança, e principalmente persistência. Conseguimos realizar nossos sonhos e o meu foi ser enfermeira graduada por uma universidade pública e gratuita”, concluiu.
Vínculo com a comunidade
Eliziane conta que desde a infância teve contato com os profissionais que atuavam na área da saúde dentro da aldeia. Esse foi um dos motivos que a levaram a escolher o curso.
“Outro motivo de optar em atuar na saúde indígena é por não ter muitos enfermeiros indígenas formados na aldeia. Para os enfermeiros não indígenas que atuam nas aldeias, na minha percepção, é mais difícil a criação de vínculo com a comunidade”, conclui.
Com informações G1 SC