SC escolhe 1ª miss universo negra após mais de 60 anos; ‘Ouvi que não tinha perfil catarinense’, disse vencedora
13 de outubro de 2021Bruna Valim representou Otacílio Costa. Concurso acontece desde 1955.
A miss universo que vai representar Santa Catarina em 2021 é a primeira mulher negra escolhida pelo concurso em 66 anos. A atriz e modelo Bruna Valim, de 27 anos, representou Otacílio Costa, na Serra Catarinense.
A divulgação do resultado ocorreu no domingo (10) e a vencedora se prepara para participar no Miss Universo Brasil, que será realizado no início de novembro.
“Por que eu tenho que odiar o meu corpo, a minha pele e o meu cabelo? Foi um processo doloroso [de aceitação]. Mas que eu quero falar muito sobre isso para que outras meninas como eu não tenham que passar por isso”, afirma.
Bruna nasceu em Santana do Araguaia, no Pará, mas se mudou para o estado catarinense com 1 ano e 7 meses. Adotada pelos tios e vivendo entre uma população predominantemente branca, Bruna via pouca beleza no que era. Por muito tempo, durante a infância e a adolescência, o cabelo foi o principal problema.
“Eu vivi a vida inteira de cabelo preso. Lavava ele, deixava secar e já amarrava. Eu me fechava. Ou era um coque ou trança. Estava sempre dependente disso”, relembra.
A miss atualmente mora em Itapema, no Litoral Norte, onde trabalha em uma startup. O Miss Universo Brasil é realizada entre os dias 3 e 8 de novembro.
“Eu ouvi um comentário de que eu não tinha perfil catarinense. Que eu não poderia ser Miss Santa Catarina. Eu sabia que se eu ganhasse eu teria que estar muito forte porque os comentários contrários iriam vir. Por que uma menina mais clara não é questionada? Temos que lutar três vezes mais para ser ouvida”, disse.
O Miss Universo Santa Catarina teve um formato diferente em 2021. O estado teve direito a 70 vagas para a eliminatória por votação popular e 20 candidatas foram escolhidas para a final estadual.
“Você odiar você mesmo é muito pesado. Isso não pode acontecer. Eu vi que perdi tanto tempo não gostando do meu cabelo, odiando meu cabelo, que poderiam ter acontecido coisas mais rápidas comigo. Como a minha carreira de modelo e ter inspirado mais meninas também”, afirma.
Infância
Na cidade de 19.201 pessoas, segundo a estimativa atual do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Bruna conta que ouvia comentários negativos e racistas constantemente. Vindos até mesmo por conta da própria família.
“Como eu escutava muitos comentários eu acreditava que não era bonita. E que não seria bonita. Eu sempre achava o meu rosto bonito, eu gostava dele. Mas, por conta do cabelo, do corpo, por ser muito magra, eu achava que não seria aceita. Eu até achei que nunca teria um namorado”, relembra.
Bruna conta que ficou quase 10 anos utilizando o cabelo totalmente amarrado. O mais marcante, segundo ela, aconteceu no colégio quando resolveu soltar o cabelo e colocar uma touca. Na adolescência chegou a alisar o cabelo, mas com o clima úmido da cidade o resultado ainda não foi satisfatório.
“Eu sabia que eu era diferente e que esse diferente não era tão aceito. Na escola era aceito ser julgado, as brincadeiras deveriam ser aceitas. Essas coisas nos marcam. A sala inteira riu e eu sai chorando. As professoras não sabiam o que fazer. Depois disso eu nunca mais soltei o cabelo”, afirma.
Internet x representação x redescoberta
Bruna afirma que o ponto mais importante de auto descoberta e aceitação veio da internet. Vendo meninas negras utilizarem a internet para falar sobre as próprias experiências de racismo e também sobre cuidados de beleza.
“Eu tenho um sentimento de gratidão pela internet por ter me conectado com outras meninas parecidas comigo. Eu estava em um ambiente de pessoas mais claras e não conseguia me enxergar. E lá [na internet] eu comecei a encontrar meninas que falavam sobre transição capilar e sobre o cuidado com o cabelo crespo. Isso despertou algo em mim”, explica.
Investindo em algo que até então lhe causava vergonha, uma mudança ocorreu, segundo a miss. “Eu comecei a cuidar dele e ver que ele começou a ter a vida dele. Que começou a ficar solto e volumoso. E ver ele como o meu diferencial para o mundo. E isso começou a abrir portas e caminhos inimagináveis”.
A mudança não foi só por parte dela, segundo Bruna. Na mesma época o movimento que começou na internet também interferiu em outras estruturas.
“Isso começou a despertar nas agências esses perfis. E assim vieram os convites para participar. Eu lembro que não era a primeira a ser chamada, mas pequenos trabalhos começaram a aparecer”, conta.
Com pouco andamento nos trabalhos de modelo, Bruna se envolveu nos estudos sobre teatro. Segundo ela, foi neste universo que ela fez descobertas ligadas à comunicação.
“Eu comecei como modelo aos 19 anos e quando falei [para a família] que uma agência acreditou em mim para fazer os trabalhos, eu virei motivo de chacota”, afirma.
Desejo de ser Miss
Bruna afirma que sempre gostou e se interessou em saber mais sobre beleza. O interesse por concursos e a vida de modelo sempre estiveram com ela. Ela afirma que após ver a vitória de Raíssa Santana, eleita Miss Brasil em 2016, ela viu que era possível participar de um concurso de beleza.
“No Miss de 2016 participaram seis meninas negras e isso nunca havia acontecido. Foi uma representatividade que para alguns é pequena, mas isso fez uma grande diferença para despertar em outras meninas [a vontade de participar]. Isso mostrou que, com a minha aparência, eu também poderia estar em um concurso de Miss”, relembra.
Em 2019 Bruna venceu a seletiva em Otacílio Costa e representou o município em no Misse Universo Santa Catarina. Naquele ano ela ficou em 2° lugar. Ela afirma que resolveu participar esse ano, já que esse seria o último ano que poderia concorrer. A idade limite das participantes é de 28 anos.
“Eu achei que havia chegado ao meu ápice, no segundo lugar em 2019. Neste ano estava em um contexto difícil, que até achei que não conseguiria, que não estava pronta. Mas acho que a gente precisa buscar e aprender no caminho também. Espero que agora tenham ainda mais meninas participando e nenhum tipo de estereótipo barre o sonho delas”.
Com informações G1 SC