Saudades vive com as marcas do ataque a creche 1 ano depois: ‘A gente nunca esquece’, diz avô de vítima

Saudades vive com as marcas do ataque a creche 1 ano depois: ‘A gente nunca esquece’, diz avô de vítima

4 de maio de 2022 Off Por Eduardo Grassi



  • Armado com facão, um homem de 18 anos entrou na unidade na manhã de 4 de maio de 2021 e matou três bebês e duas funcionárias.

    A cidade de Saudades que possui o título de Vale da Hospitalidade em Santa Catarina, ainda se recupera do ataque a creche que deixou cinco pessoas mortas há um ano. Com cerca de 10 mil habitantes, o pequeno município do Oeste catarinense viu a pacata rotina ser interrompida por gritos que saíam de uma unidade de educação infantil.

    Armado com facão, na manhã de 4 de maio de 2021, um homem de 18 anos entrou na escola e assassinou três bebês e duas funcionárias.

    Dois minutos de distância da creche, no Batalhão do Corpo de Bombeiros, Pedro Gabriel Hinzen trabalhava. No meio do expediente, o bombeiro civil que atua há cerca de 10 anos na cidade recebeu uma ligação com pedido de reforços em uma grave ocorrência.

    No prédio de um único pavimento com salas repletas de brinquedos e atividades para crianças, ele ajudou a resgatar os feridos da chacina: “Foi o dia mais difícil do meu trabalho. Um coisa muito difícil, atípica”, resume (leia o relato completo abaixo).

    O avô paterno da vítima mais jovem do ataque prefere reviver os dias que passou junto da neta na cidade ao relembrar o dia da morte. Estão na memória do borracheiro Elemar Sehn, as refeições feitas ao lado da menina Sarah Luiza Mahle Sehn, de 1 ano e 7 meses. As manhãs em que criança acordava na casa da família também ficaram na lembrança.

    “Quando estava pronto, o prato dela, ela logo sentava para comer. Quando ela estava pronta, servida, ela queria lavar as mãos, a boca e dizia ‘o vovô tem que ir junto’. Íamos ao banheiro, ela pisava em cima do vaso, trepava na bancada e olhava no espelho. Depois, eu lavava as mãos dela, secava e ia para fora. Lá ela mostrava para a mãe e o pai dela. De tarde, quando ela acordava, chamava ‘vovô está na hora de levantar’. Bem queridinha” conta.

    Além de Sarah, Anna Bela Fernandes de Barros, de 1 ano e 8 meses e Murilo Massing, de 1 ano e 9 meses, morreram no ataque. Os três bebês dormiam na mesma sala da creche onde estava Mirla Amanda Renner Costa, de 20 anos, agente educacional, e Keli Adriane Aniecevski, de 30 anos, professora da unidade. Elas também perderam a vida no ataque.

    No total, 20 crianças estavam no centro de educação sob os cuidados de 5 professoras. Segundo a Polícia Civil, o autor do ataque tentou entrar em todas as salas da creche, mas as educadoras conseguiram se trancar e proteger as crianças.

    O bombeiro Hinzen, de 50 anos, chegou a resgatar a agente educacional Mirla. A jovem recebeu os primeiros atendimentos no chão da sala de aula, mas não resistiu e morreu minutos depois da chegada do socorro.

    O menino Henryque, à época com 1 ano e 8 meses, também recebeu golpes de facão. Ele foi o único sobrevivente da chacina e, segundo o pai, que não quis dar entrevistas sobre o caso, está bem.

    Um ano depois do ataque, muitas famílias das vítimas e professores que estavam na escola naquela manhã crime também preferem guardar para si as lembranças daquele dia.

    “A saudade a gente nunca esquece, né?”, afirma o avô de Sarah.

    Cidade vive luto

    Um ano depois, pouca coisa mudou na cidade. A fachada da escola, que era pintada na cor amarela e vermelha, agora tem tons verdes e laranjas. A sala onde as vítimas foram encontradas feridas pelos bombeiros deu lugar a uma área de recreação. A saudade, no entanto, continua nos corredores.

    A reportagem entrou em contato com familiares e amigos das vítimas, que não quiseram dar depoimentos sobre o ataque. Uma professora respondeu o contato e disse que não daria entrevistas por orientação da psicóloga que a acompanha desde a tragédia.

    Para a profissional de saúde mental e professora da Universidade Regional de Blumenau (Furb) Catarina Gewerh, o silêncio para a imprensa é esperado, dada a proporção do caso. Segundo a psicóloga, o que ocorreu na cidade possui grande impacto na vida comunitária.

    “Lidar com a dor de um familiar que perdeu uma criança, viver essa dor de novo, é muito duro. Por isso, as pessoas evitam falar sobre. Elas não querem reviver” pontua a profissional. Ela afirma também que o luto é vivenciado de forma diferente para cada um.

    “Cada pessoa processa a informação da perda de uma forma diferente, o que afeta no comportamento. Mas é necessário que cada um sinta essa perda, principalmente para enfrentar de forma mais saudável”, diz.
    Desde o dia da tragédia, moradores e familiares recebem apoio psicológico. O governo estadual enviou à cidade 24 profissionais para ajudar a comunidade nos dias que sucederam o crime. Agora, todas as unidades de educação possuem vigilância. Apenas pessoas autorizadas têm permissão de entrar nas dependências.

    Morador ajudou professoras

    Ailton Biazi Betti, 65 anos, estava sentado próximo da calçada de casa, em frente à escola, junto com duas crianças que ele e a esposa cuidavam, quando viu o autor do ataque chegar de bicicleta e entrar na unidade de ensino naquela manhã.

    No primeiro momento, o aposentado pensou que era apenas um pai que chegava para buscar o filho no local. Um minuto depois, quando ele começou a ouvir gritos da unidade, passou a entender o que acontecia.

    O homem, que vive há 17 anos na cidade, prestou auxílio às professoras e crianças que saiam pela rua em busca de ajuda. Como a filha também atuava na escola, mas no período da tarde, foi no pátio do imóvel o primeiro lugar em que os profissionais pensaram na hora de buscar apoio.

    “No momento, achamos que uma criança tinha se engasgado ou que, por conta de um problema na luz, tomou um choque. Mas daí quando saíram gritando por socorro, alguém disse ‘entrou alguém na escola cortando a professora”, relembra.

    O autor da chacina, na época com 18 anos, foi preso dentro da escola após o ataque e aguarda julgamento. Durante a investigação, a Polícia Civil descobriu que, inicialmente, ele tinha intenção de matar pessoas de seu convívio familiar, mas como não conseguiu uma arma de fogo, escolheu a creche pela “fragilidade das vítimas”.

    O réu responde por cinco homicídios qualificados e 14 tentativas de homicídio. Na Justiça, o processo aguarda, temporariamente, o julgamento de um recurso apresentado pela defesa do autor do ataque sobre a sanidade mental dele. Desde que a investigação começou, três exames deram pareceres distintos sobre a saúde do homem.

    A cidade de Saudades

    Saudades está localizada a cerca de 70 quilômetros de Chapecó, a maior cidade da região Oeste, e a 600 quilômetros de Florianópolis, na capital catarinense. Segundo delegado titular da cidade, Lucas Almeida, a brutalidade do ataque não representa o cenário do pequeno município.

    Classificada como “pacífica” pelo policial, o município teve, entre 2017 e abril de 2021, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP), apenas um homicídio.

    “É muito difícil agora falar o que aconteceu. Ninguém esperou, né? Foi um choque, porque uma cidadezinha assim, de Saudades, que todo mundo conhece todos, acontecer isso. Bem complicado”, afirma o avô da estudante morta.

    Com informações G1