Cidade de Santa Catarina pode desaparecer com a derrubada do Marco Temporal
22 de setembro de 2023Com a decisão, aumenta a insegurança jurídica para cerca de 500 famílias no Estado
O ministro Luiz Fux votou com o relator Edson Fachin e estabeleceu maioria na votação do julgamento do Marco Temporal, no Supremo Tribunal Federal (STF), mesmo caminho seguido pela ministra Cármen Lúcia. Ambos estabeleceram o placar de 7 a 2 e derrubaram o Marco Temporal das terras indígenas, no recurso especial em que a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) se contrapõe ao pedido de reintegração de posse do Instituto Estado do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA). A tese, que não faz parte de lei, mas surgiu no STF, era defendida por Santa Catarina para que só fossem reconhecidas as áreas de reservas indígenas para as comunidades que estivesse estabelecidas no Estado até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Cidadã. Com a decisão, aumenta a insegurança jurídica, que já afeta mais de 500 famílias no Estado. Além disso, os municípios de Cunha Porã, Saudades, Paial, Arvoredo, Seara e Abelardo Luz, no Oeste; Vitor Meireles e José Boiteux, no Alto Vale do Itajaí, e Palhoça, na Grande Florianópolis, correm o risco de perder território.
Entenda os prejuízos da derrubada do Marco Temporal para os pequenos produtores de Santa Catarina
A derrubada do Marco Temporal atinge pelo menos dois municípios do Oeste do Estado. Pequenos agricultores de Saudades e Cunha Porã podem perder suas propriedades. Nessa última, por exemplo, a cidade é extremamente agrícola, cerca de 64% da economia é gerada pelos pequenos produtores. O faturamento no município, de 11 mil habitantes, chega a R$ 40 milhões. Nos dois municípios citados, juntos, são 170 famílias que vivem diretamente do campo, em cerca de 2.700 hectares.
Decisão do STF ameaça o futuro de famílias na cidade de Vitor Meireles
A decisão do STF de derrubar o Marco Temporal pode comprometer o futuro de uma cidade inteira no Alto vale do Itajaí. Em Vitor Meireles, cidade com cerca de 5 mil habitantes, são mais de 870 famílias de pequenos produtores que vivem a ameaça da ampliação do território indígena. No município, a agricultura desempenha um papel fundamental na economia, sendo responsável por aproximadamente 65% das receitas do município. Um exemplo é o agricultor Francisco Jeremias, que possui um rebanho de 35 vacas leiteiras e cultiva feijão, milho e fumo. Ele expressa sua profunda preocupação, chamando a decisão do Supremo de “sentença de morte para os produtores da região”.
Desde 1926, o território indígena no Alto Vale possui 14,2 mil hectares. A decisão do STF amplia essa área para 37 mil hectares, afetando aproximadamente 45% do território de Vitor Meireles.
Fiesc afirma que decisão do STF sobre Marco Temporal desconsidera diferenças regionais
A Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fiesc) emitiu uma nota, nesta sexta-feira (22), em que vê com preocupação a derrubada do Marco Temporal das terras indígenas pelo Supremo Tribunal Federal e avalia que a decisão desconsidera diferenças regionais. A decisão, segundo a Federação, agrava a situação de insegurança jurídica no campo, principalmente em Santa Catarina, onde a agricultura familiar foi constituída a partir da compra legal das terras vendidas pelo governo do Estado. Eram terras devolutas, que não possuíam donos ou não foram reivindicadas por alguém, e que não tinham qualquer registro histórico de presença indígena nas décadas de 1940 e 1950. Sem o Marco Temporal, há uma crise social que afeta mais de 500 famílias que correm o risco de perder a propriedade da terra onde vivem há mais de 73 anos.
Leia a manifestação da Fiesc:
“A Federação das Indústrias de Santa Catarina (FIESC) vê com muita preocupação o julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre o marco temporal da demarcação das terras indígenas. A revisão da jurisprudência, que tinha a Constituição Federal de 1988 como baliza temporal, fragiliza nossa segurança jurídica trazendo intranquilidade ao campo e à cidade. A decisão do STF desconsidera as diferenças regionais brasileiras. No caso de Santa Catarina, onde vivenciamos situações especialmente consolidadas em virtude de nossa colonização, é fundamental a modulação na aplicação da decisão, sob pena de sérias consequências econômicas e sociais. A FIESC trabalha para que a matéria ainda possa ser objeto de alteração legislativa, reconhecendo o direito dos índios e, ao mesmo tempo, preservando as áreas consolidadas pela Constituição de 1988, restabelecendo a segurança jurídica e a paz social.”
PGE acompanha outros temas relativos à indenização e permuta de terras
A Procuradoria Geral do Estado (PGE), que defende a posição do Instituto Estadual do Meio Ambiente (IMA) na ação sobre o Marco Temporal no Supremo Tribunal Federal, tese derrubada por 9 a 2 na sessão desta quinta-feira (21), favorável à Funai, explicou que continuará a acompanhar o assunto porque, aparentemente, houve dispersão de votos entre os ministros. Por isso, a PGE entende que outros pontos fundamentais da decisão, relativos a indenizações e substituição de áreas já consolidadas por outras.
FAESC manifesta preocupação com as consequência da decisão do STF
Por nota, a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Santa Catarina (FAESC) manifestou preocupação com as consequência do STF em não reconhecer a tese do Marco Temporal.
Confira na íntegra a resposta:
A Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Santa Catarina (FAESC) manifesta sua extrema preocupação com as consequências da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em não reconhecer a tese do MARCO TEMPORAL em relação à demarcação de terras indígenas.
A Suprema Corte alterou sua própria e recente jurisprudência ao julgar sobre a regulamentação de dispositivo constitucional que estabelece de forma clara o Marco Temporal para demarcações de terras indígenas no Brasil. O Marco Temporal das terras indígenas era uma tese jurídica elaborada no julgamento do caso Raposa Serra do Sol pelo STF, em 2009. Nessa ocasião, o Supremo decidiu que o artigo da Constituição que garante o usufruto das terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas brasileiros deveria ser interpretado contando-se apenas as terras em posse em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. A tese do Marco Temporal em hipótese alguma retira direitos de indígenas, apenas garante um critério objetivo para fins de efetivação de uma política de demarcações, sem subtrair o direito de propriedade das famílias rurais, e sem subtrair o direito dos povos originários.
Já com maioria consolidada no julgamento do RE 1017365/SC, a nova jurisprudência do Supremo Tribunal Federal gera imensa insegurança jurídica, ao contrário do que acontecia com o reconhecimento da tese do Marco Temporal, a qual criava um ambiente de confiança nas instituições da República Brasileira – especialmente no Poder Judiciário – e afastava a possibilidade de conflitos na zona rural.
A FAESC teme a volta de um passado recente em que processos de demarcação de terras indígenas em território barriga-verde geravam muita angústia, tensão, medo e revolta entre centenas de famílias rurais que, ao final, viam-se desalojadas de seus imóveis rurais legalmente adquiridos e pacificamente ocupados.
Os impactos desse novo entendimento do STF, especialmente para Santa Catarina, são preocupantes, pois o Estado, que possui apenas 1,1% do território nacional, é constituído basicamente por pequenos produtores rurais, e serão essas famílias rurais que, novamente, estarão ameaçadas em face do novo entendimento do STF.
A FAESC continuará atenta e acompanhando os desdobramentos da questão da demarcação de áreas indígenas no âmbito dos Poderes da República. A esperança, agora, repousa no Poder Legislativo, pois o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei sobre a ocupação de terras por povos indígenas (PL 2903/2023), matéria que se encontra, atualmente, em tramitação no Senado Federal – e, caso aprovado, certamente trará paz no campo, sem ferir o direito de propriedade das famílias rurais e sem desrespeitar o direito dos povos originários.
Com informações SCC10