Ano de 2023 deve terminar com recorde de pedidos de recuperação judicial

Ano de 2023 deve terminar com recorde de pedidos de recuperação judicial

21 de novembro de 2023 Off Por Editor



  • Desde agosto de 2019 não se via um número tão alto.

    A quantidade de empresas em recuperação judicial — em alta desde janeiro — explodiu no terceiro trimestre e, segundo especialistas, o ano deve encerrar com índices recordes. Cerca de 40% de todos os pedidos registrados em 2023 foram feitos entre julho e setembro. A informação é da Serasa Experian. Foram 136 somente no mês de setembro, um crescimento de 94,3% em comparação com o mesmo período do ano passado. Desde agosto de 2019 não se via um número tão alto. “O que estamos vendo agora é consequência de um processo de aumento de inadimplência que começou em setembro de 2021 e bateu pico histórico no primeiro semestre deste ano”, diz Luiz Rabi, economista da Serasa Experian.

    Quando se olha para o estoque de processos — a soma do que entrou com o que já estava em andamento na Justiça — também verifica-se que houve aumento, de acordo com os dados do Monitor RGF de Recuperação Judicial, desenvolvido pela consultoria RGF & Associados. O Brasil atingiu a marca de 3.873 empresas em recuperação entre os meses de julho e setembro. São quase duas a cada mil em atividade no país — tendo como base 2,16 milhões de matrizes de pequeno, médio e grande portes. O estoque, no fim do primeiro semestre, estava em 3.823 processos e esse número já era considerado bastante alto pelos especialistas. Rodrigo Gallegos e Roberta Gonzaga, sócios da RGF e responsáveis pelo Monitor, explicam que o aumento dos números gerais — de um período para o outro — ocorreu porque entre julho e setembro a quantidade de novos processos foi maior do que a de processos encerrados. A diferença, no período, ficou em torno de 40%. Ou seja: mais empresas estão entrando em recuperação do que saindo. Um dos maiores e mais polêmicos processos desse período foi o da 123milhas. A companhia bateu à porta do Judiciário, no mês de agosto, com mais de R$ 2 bilhões em dívidas e cerca de 700 mil credores para negociar — a maioria pessoas físicas. Na lista do trimestre também aparecem a empresa de moda M.Officer, fundada pelo designer Carlos Miele, e o grupo PCS Shoppings, dono de quatro empreendimentos nos Estados de São Paulo, Santa Catarina e Minas Gerais. Se contabilizado desde janeiro, também entram Americanas, Light, Oi e Grupo Petrópolis. As dívidas dessas quatro empresas, somadas, superam a marca de R$ 100 bilhões. “Temos uma onda enorme de grandes empresas pedindo recuperação judicial. E toda grande empresa, quando entra, afeta as médias e as pequenas. É um efeito cascata”, diz Juliana Bumachar, sócia do Bumachar Advogados Associados. Um conjunto de fatores explica essa avalanche. O que mais pesa, segundo os especialistas, é a alta taxa de juros. As empresas se alavancaram com a oferta de crédito quando os juros estavam baixos. Durante a pandemia, em 2020, a Selic esteve em 2%. Esse índice subiu rápido demais. Superou a marca dos 10% nos primeiros meses de 2022 e, ainda no ano passado, atingiu o pico de 13,75%. Neste ano, mesmo depois de três cortes, continua alta (12,25%) e as empresas não estão mais conseguindo honrar seus pagamentos.

    “Não tem como fechar essa conta. O operacional não paga a diferença. O empresário chega aqui no escritório e eu já sei tudo o que ele vai dizer. É um atrás do outro. Uma repetição”, afirma um especialista que atua em grandes recuperações. O cenário, além disso, ainda é de instabilidade econômica. Soma-se a isso a inadimplência de clientes e também uma mudança de comportamento do consumidor, que tem afetado, principalmente, as empresas do varejo. Os credores, que durante a pandemia estavam mais benevolentes — concedendo prazos de carência e permitindo o alongamento da dívida — também mudaram de postura. Agora não existe mais tanta margem para negociação. No escritório de Otto Gübel, a Otto Gübel Sociedade de Advogados, a demanda, neste ano, está 60% maior do que em anos anteriores e, segundo ele, 70% das dívidas de seus clientes estão relacionadas à linha de crédito do FGI, o Fundo Garantidor para Investimentos. “Essa linha especial do BNDES auxilia micro, pequenas e médias empresas. O dinheiro foi liberado na pandemia, houve uma dilatação no pagamento, e agora as parcelas começaram a vencer. Como não houve recuperação da economia, esses créditos estão fazendo diferença”, diz. Gübel chama atenção, além disso, que o BNDES garante 80% do crédito ao banco que liberou o financiamento e, por conta disso, as empresas não estão conseguindo negociar fora do processo de recuperação. A Serasa Experian indica que, entre janeiro e setembro, 966 empresas entraram com pedido de recuperação judicial em todo o país. A maioria micro e pequenas empresas — 611, mais de 60% do total. Em 2022, em todo o ano, foram 833 pedidos. Em 2021, 891. E nos anos anteriores, respectivamente, 1.179 e 1.387. O Monitor tem dados mais conservadores. Indica que entre julho e setembro 134 companhias entraram, de fato, em processo de recuperação judicial — ou seja, pediram e tiveram o pedido aceito pelo juiz. Os dois estudos não podem ser comparados. Além do dado em si não ser o mesmo, há diferença de metodologia. A Serasa utiliza uma base de dados própria, proveniente dos fóruns, varas de recuperações e falências e Diários Oficiais. Já o Monitor utiliza como base os dados do Ministério da Fazenda — que divulga, mensalmente, todas as empresas em atividade no país. As companhias são obrigadas por lei a alterar a razão social quando estão em processo de recuperação. O nome da “empresa x” passa a ser “empresa x – em recuperação judicial”. Para o levantamento, além disso, foram excluídos os microempreendedores individuais (MEI) e, dentre as empresas de pequeno, médio e grande portes, foi feita uma consolidação por matriz. Pelos dados do terceiro trimestre do Monitor, entraram em recuperação judicial 134 empresas, enquanto o número de companhias que já estavam em acompanhamento judicial e tiveram os seus casos encerrados ficou em 84. O Rio Grande do Sul é o Estado de maior destaque do semestre quando leva-se em conta o “saldo” do que entrou e saiu. Ao todo, 30 empresas bateram à porta da Justiça para tentar renegociar as suas dívidas contra somente quatro encerramentos. O saldo, portanto, ficou em 26. Esse número destoa dos demais. O Rio de Janeiro, por exemplo, que aparece em segundo lugar, teve 11 de saldo. Foram 13 novos casos contra dois encerramentos. Em todos os outros Estados o saldo ficou abaixo de 4. A Brinox, fabricante de panelas e utensílios de cozinha, que tem sede no Rio Grande do Sul, foi uma das que ajudaram a fermentar a lista do Estado gaúcho. Entrou com pedido de recuperação judicial no mês de agosto alegando dívida de R$ 326 milhões — 13 vezes o seu Ebitda. Consta no processo que o pedido de socorro foi motivado pela redução da demanda no pós-pandemia, além do aumento do preço das commodities e da alta taxa de juros.

    A lista de empresas que entraram em recuperação judicial no Rio Grande do Sul é bastante pulverizada: tem indústria, comércio e prestadoras de serviços.
    Advogados ouvidos pelo Valor avaliam que, além das questões econômicas e de mercado, o número de recuperações no Estado também pode ter sido influenciado pelos prejuízos provocados pelo ciclone que atingiu a região e causou destruição em cidades e na zona rural. São Paulo, por outro lado, chama atenção por ter sido o Estado com o maior número de novas recuperações judiciais, mas ao mesmo tempo ter a maior quantidade de processos encerrados — a ponto de apresentar saldo negativo. Ao todo, 35 empresas bateram à porta do Justiça paulista para tentar renegociar as dívidas e sobreviver no mercado, enquanto 47 que estavam nessa situação tiveram seus processos encerrados. O saldo do terceiro trimestre, portanto, fechou em -12.

    Com informações Valor Econômico